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Em caso de greve, não há o que se falar em suspensão de contrato de trabalho de servidor disciplinado pela Lei n. 8.112/1990, diploma esse que não contempla os funcionários celetistas, justamente porque servidor estatutário não firma contrato de trabalho, investe-se em cargo público, menor unidade do poder do Estado, após formalidades previstas em lei, assinando, sim, termo de posse, após nomeação ao cargo cuja concorrência a todos foi disponibilizada em edital, tendo ainda sua vida funcional regrada em deveres e direitos previstos em estatuto próprio.

Embora não vige mais o regime jurídico único, forma abandonada na EC n. 19/1998, deixando aberta a possibilidade de contratação de empregados públicos celetistas, os servidores estatutários federais não celebram contrato de trabalho, que é um ato formal típico de vínculo empregatício entre empresa de direito privado e o trabalhador celetista, decorrendo daí direitos trabalhistas específicos dessa categoria como FGTS, aviso prévio, negociação coletiva e data base, este último o sonho dos servidores públicos que não têm reposição inflacionária.

Não andou bem o voto da maioria dos Ministros do STF ao confundir servidor público com empregado celetista, pior ainda quando se aplicou prejudicialmente a analogia de um regramento específico do setor privado ao setor público, invadindo a competência legiferante do Congresso Nacional de regulamentar o direito de greve garantido no art. 37, VII, da CF/1988. Em vez de assinalar ao omisso Poder Legislativo edição de lei regulamentar, a Excelsa Corte foi além, valendo-se de seu protagonismo judicial engendrou malabarismo jurídico do qual fez transfusão de lei destinada aos trabalhadores regidos pela CLT aos trabalhadores do setor público. Nesse quesito, o STF forçou demais a barra.

Com melhor acerto ensina Celso Antônio Bandeira de Mello ao dizer que “A relação jurídica que interliga o Poder Público e os titulares de cargo público, - ao contrário do que se passa com os empregados -, não é de índole contratual, mas estatutária, institucional.’’ (Curso de Direito Administrativo, 28ª. Ed., p. 256).

Acresce-se que o Estado detém a competência legislativa de alterar o regime jurídico de seus servidores, valendo-se de um poder unilateral, não havendo tal prerrogativa nas comuns relações contratuais de trabalho entre empregado e empregador cujas regras são imutáveis e bilaterais. Nesse sentido se posiciona José dos Santos Carvalho Filho sobre a relação estatutária: “Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário. Tratando-se de relação própria do direito público, não pode ser enquadrada no sistema dos negócios jurídicos bilaterais de direito privado”. (Manual de Direito Administrativo, 13ª. Ed., p. 465)

Não cabe corte de ponto se no Estatuto do Servidor Civil Público Federal não prevê essa forma de desconto. As ausências ao serviço durante o período de greve são faltas plenamente justificadas, pois o movimento paredista historicamente visa melhores salários e melhores condições de trabalho, não sendo razoável haver punição a quem luta para aperfeiçoar a máquina institucional, nesse sentido mostra-se cristalino o art. 44 da Lei n. 8.112/1990 que prescreve que o servidor perderá a remuneração somente no caso de falta sem motivo justificado.

E o art. 45 do mesmo Estatuto faz mais ainda ao assegurar que, salvo por imposição legal, ou mandato judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento. E o termo suspensão é utilizado na Lei 8.112/1990 no sentido de penalidade aplicada ao servidor, não havendo qualquer menção ao termo suspensão de contrato de trabalho.

Além do desconto ser indevido, sem obedecer aos trâmites legais, maior atentado se dá quando a remuneração do servidor, de natureza alimentar, deixa de ser sumariamente percebida. Numa interpretação estrita desses dispositivos legais, conclui-se que não pode haver corte de ponto com base em Portarias e Resoluções sem que haja o devido processo administrativo. Se assim não for, é melhor rasgar logo a Lei 8.112/1990 e mandar para o espaço o princípio da legalidade e de quebra o Estado Democrático de Direito.

Pior que regulamentar na via judicial o direito constitucional de greve do servidor público é a regulamentação administrativa no âmbito dos Conselhos Superiores da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal. Está se cometendo a olhos vistos verdadeira barbárie contra os servidores do Judiciário quando seus próprios patrões se reúnem para decretar o fim do direito de greve e determina, sem negociação prévia, o desconto no contra-cheque dos dias parados. O que é trágico: as recentes medidas administrativas anti-greve do CSJT e CJF somente vêm depor contra o próprio fortalecimento institucional do Poder Judiciário que a cada dia perde seus  quadros por causa da desvalorização remuneratória.

Cabe observar ainda que a Lei n. 7.783/1989, legislação de greve do trabalhador do setor privado, deve ser aplicada, conforme julgou o STF no MI 708/DF, no que couber à greve dos servidores públicos civis. O que reforça a tese de que descabe suspensão do contrato de trabalho e corte de ponto dos grevistas dos servidores públicos. Faz-se a leitura que o colegiado do Supremo apenas regulamentou os procedimentos de deflagração de greve, como prazo de comunicação ao público e manutenção mínima de força de trabalho, que são pontos comuns a quaisquer trabalhadores sejam públicos ou privados. 

Ministro Gilmar Mendes, relator do Mandado de Injunção n. 708/DF, ao embasar seu voto, traçou paralelo entre a lei n. 7.783/1989 e o substitutivo ao projeto de lei n. 4.497/2001, projeto esse que à época visava regulamentar o direito de greve do servidor público, no qual o art. 7º. da lei geral de greve foi confrontado com o art. 10 do referido projeto:

Art. 10. Os dias de greve serão contados para todos os efeitos, inclusive remuneratórios, desde que, após o encerramento da greve, sejam repostas as horas não trabalhadas, de acordo com o cronograma estabelecido pela Administração, com a participação da entidade sindical.

Urge que o Legislativo saia da inércia e ponha um ponto final na falta de regulamentação do direito de greve do servidor público, esse silêncio legislativo pode ser interpretado como algo muito conveniente ao Poder Executivo. Os servidores não podem continuar sendo rifados, entregues à própria sorte das decisões arbitrárias do Judiciário que numa babel jurídica faz da mora do Congresso um prato cheio para ferrar o servidor grevista.

E que a futura legislação não seja contaminada pelo calor dos acontecimentos das greves da PM fazendo endurecer o exercício de greve do servidor público civil, como já prevê a proposta do Senador Aloysio Nunes do PSDB-SP que quer fixar de 50 a 80% o percentual mínimo de força de trabalho durante o movimento paredista. Ora, isso é o mesmo que querer acabar com o direito de greve e por tabela instaurar a precarização do serviço público, e é muito provável  que esse projeto seja aprovado com as bênçãos dos parlamentares governistas e oposicionistas.

Se a recente criada Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público não tiver atuação firme no sentido de regulamentar o direito de greve do servidor público, com participação das entidades representativas na discussão do projeto, aos servidores públicos federais só restarão  recorrer ao Papa.

João Batista Moraes Vieira é presidente do Sinjufego e servidor do TRE-GO

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