*Por Aurélio Gomes de Oliveira
A Reforma da Previdência, que se avizinha, capineada pela Proposta de Emenda à Constituição nº 287/2016, enviada pelo Executivo Federal, traz a mais profunda alteração no sistema previdenciário do Brasil. Com esse projeto encaminhado ao Congresso, todas as grandes alterações feitas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, assim como no governo Luis Inácio Lula da Silva são desconsideradas para serem substituídas por uma reforma da Constituição, profunda e em inúmeros pontos sensíveis à grande massa da população. Para se buscar uma compreensão mais detalhada da gravidade das inúmeras alterações, necessário detalhar, pelo menos, algumas de maior destaque:
O artigo 40 da Constituição Federal assim dispõe: “Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”
Com a nova redação da PEC nº 287, a Constituição Federal passa a assim vigorar:
§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados:
III – voluntariamente, aos sessenta e cinco anos de idade e vinte e cinco anos de contribuição, desde que cumprido o tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria;
§ 2º - Os proventos de aposentadoria não poderão ser inferiores ao limite mínimo ou superiores ao limite máximo estabelecidos para o regime geral de previdência social.
§ 3º - Os proventos de aposentadoria, por ocasião de sua concessão, corresponderão:
I- para a aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho e a aposentadoria voluntária, a 51% (cinquenta e um por cento) da média das remunerações e dos salários de contribuição utilizados com base para as contribuições, apurada na forma da lei, acrescidos de 1 (um) ponto percentual, para cada ano de contribuição considerado na concessão de aposentadoria, aos regimes de previdência de que tratam este artigo e aos art. 42 e art. 201, até o limite de 100(cem por cento) da média.
Artigo de especial gravidade é o art. 23 da PEC nº 287, que ignora as regras de transição estabelecidas em reforma da constituição pretérita, desconsiderando os direitos adquiridos de todos os servidores públicos que ingressaram e passaram a verter contribuições para o sistema durante os regimes anteriores de 1998 e 2003. Na redação imposta pela Proposta de Emenda, estabelece:
Art. 23 -Ficam revogados os seguintes dispositivos:
I – da Constituição:
a) o inciso II do § 4º, o § 5º e o § 21 do art. 40; e
b) o § 8º do art. 201;
II – da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998:
a) o art. 9º,( que possui a seguinte redação:)
Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I - contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do "caput", e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;
b) o art. 15
III – da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003:
a) o art. 2º
b) o art. 6º e
c) o art. 6º - A
Todos os artigos revogados traziam regras de transição para resguardar direitos de quem ingressou no sistema pelo regime de paridade e integralidade, ou pela integralidade, uma vez que esses servidores sempre contribuíram para o sistema previdenciário próprio sobre a integralidade de suas remunerações e não sobre o teto do regime geral da previdência social (pouco mais de R$ 5.100,00). Não se vislumbra qualquer razoabilidade e proporcionalidade em que o servidor público federal que verteu, pelo menos 18 anos, para o sistema previdenciário sobre o total de sua remuneração, venha a ter a aposentadoria calculada em 51% da média remuneratória dos salários de contribuição desde julho de 1994 (quando se iniciou o Plano Real) e mais um ano para cada ano de contribuição, limitado ao teto do Regime Geral da Previdência Social. Qualquer trabalhador brasileiro (seja servidor público estatutário ou empregado celetista), se tiver 65 anos de idade e 40 anos de contribuição, só poderá se aposentar com 51% + 40(anos)= 91% da média dos salários de contribuição, limitado ao teto do RGPS.
As Emendas Constitucionais nº 20 em 1998 e nº 41 em 2003 já haviam trazido substanciais alterações no sistema previdenciário e foram apelidadas de Reformas da Previdência tanto pelo governo FHC como pelo governo Lula. Os impopulares ajustes, inclusive trazendo grande repercussão popular negativa à época, já haviam sido feitos para que, segundo o alegado pelos então governantes, corrigir as distorções do sistema e ajustar a previdência pública. Após tudo isso realizado, inclusive com o estabelecimento de controversa contribuição sobre os inativos, o que não encontrou precedentes nem mesmo nos Fundos de Previdência Privados, pois nestes quem verteu contribuições por um longo período, recebe seu benefício sem precisar contribuir após aquele período contratado, jamais um governo ousou tanto em uma Reforma Previdenciária. As regras de transição da Constituição Federal que existem para vigorar justamente para aqueles que já haviam ingressado no sistema previdenciário, explicitamente destacadas no artigo 9º da Emenda Constitucional de 20 de 15 de dezembro de 1998, passam a ser claramente ignoradas, isto é, reforma-se a reforma da Constituição, a própria regra transitória que ali foi inserida pelo constituinte derivado justamente para trazer estabilidade e segurança ao cidadão.
A PEC nº 287 traz em seu bojo flagrante inconstitucionalidade, por violação aos princípios da segurança jurídica, do direito adquirido, da vedação ao retrocesso social, entre outros. A proposta ignora até mesmo as diferenças biológicas, e a dupla, por vezes, tripla jornada da mulher que é recorrente no nosso país de terceiro mundo, ao estabelecer a mesma regra de aposentadoria para os homens e mulheres, utilizando como paradigma realidades completamente diversas dos países desenvolvidos do continente europeu. O que fazer com quem depositou no sistema por 18, 20 ou 25 anos contribuições sobre o total da remuneração, com menos de 50 anos se homem e menos de 45 anos se mulher e que, a partir da promulgação dessa PEC, perderia o direito ao recebimento de proventos sobre o que excedesse ao teto do Regime Geral da Previdência Social? A União estaria apta a devolver todo esse excedente corrigido para o segurado servidor público, ou promoveria o calote institucionalizado para centenas de milhares sob o manto da prescrição, com a alegação de que só poderiam reclamar os últimos cinco anos? Resta saber até onde se alcançariam os efeitos perversos de um revolvimento na nossa Carta Constitucional de tamanha envergadura.
Desta vez, a mão pesada dos governantes desce também sobre a iniciativa privada. O trabalhador fica obrigado a trabalhar por 49 anos para receber os 100% da média remuneratória desde julho de 1994 e perde o direito de se lembrar da previdência tão somente ao iniciar a perda de seu vigor físico, pois não se aposentará, ainda que tenha vertido ao sistema contribuições por 24 anos e 11 meses. Fácil presumir que, em inúmeros estados, principalmente do Norte e Nordeste, inúmeros trabalhadores irão falecer antes de completar os longos 25 anos de contribuição ao RGPS.
Necessária se faz, como aqui se buscou, trazer à lume uma melhor divulgação do texto dessa Reforma da Previdência de forma a que todos nós reflitamos e nos posicionemos questionando e combatendo tudo aquilo que violar os princípios constitucionais consagrados pelo Constituinte de 1988. Saibamos aproveitar o momento e cobrar de nossos parlamentares uma postura mais humana e transparente de forma a que conheçamos efetivamente a situação previdenciária do país, se superavitária, por renúncias fiscais e desvinculações das receitas da união ou se deficitária, como o governo federal propaga. Este é nosso instante de buscarmos uma postura mais pró-ativa e devemos caminhar nesse sentido.
*Aurélio Gomes de Oliveira é mestre em direito pela Faculdade de Direito da UFG; analista judiciário da Justiça Federal, conciliador formado do TRF-1 e do CNJ e vice-presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal em Goiás.
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Obs.: Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não representando, necessariamente, a opinião da diretoria do Sinjufego.