Em 31 de março
de 2017 foi sancionada a Lei da Terceirização pelo presidente Michel Temer
(PMDB). Uns aprovam essa lei, outros a reprovam, especialmente pela forma como
foi editada pelo Congresso Nacional. Era um projeto de 1998, que estava na
gaveta, retirado e aprovado num toque de caixa, sem preocupação com os
trabalhadores. O objetivo foi atender os anseios empresariais, usando-se, para
isso, o momento de crise econômica que vive o Brasil. Para mim, com o devido
respeito a quem pensa diferente, essa aprovação representou uma excrescência
para o Direito do Trabalho brasileiro, porque a lei veio para reconhecer a
possibilidade de terceirização ampla e irrestrita, mas sem garantias reais e
compensatórias para os trabalhadores terceirizados.
A questão constou na Lei
13.429/2017, que cuidou do trabalho temporário e da prestação de serviços a
terceiros - terceirização, imprimindo-se alterações à Lei 6.019. Em relação à
terceirização estabeleceu o artigo.
4-A da Lei 6.019/74 que empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa
jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços
determinados e específicos.
O artigo 5-A, parágrafo 5º
disse que a empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações
trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, como
já constava na Súmula 331 do TST.
Como se sabe, a terceirização é
um fenômeno mundial e irreversível na maioria dos países. No Brasil teve origem
e inspiração na Lei 6.019, do trabalho temporário, que, à época da sua
criação recebeu o alerta de um dos maiores estudiosos do Direito do Trabalho
até hoje no Brasil, o saudoso Cesarino Junior, que assim ponderou: “Se não
tomarmos cautela, uma lei dessa natureza pode eliminar toda a legislação social
brasileira, porque daqui para diante, se esta lei contiver saídas, aberturas,
nenhuma empresa vai contratar mais empregados para não ter os ônus que a
Legislação do Trabalho impõe ao empregador; vai utilizar esse tipo de contrato
que, do ponto de vista jurídico, merece um exame (Diário do Congresso Nacional
de 5/12/1973, f. 5.870)”.
A terceirização teve impulso na
década de 1980 como incentivo à reestruturação produtiva, à privatização de
empresas públicas e à desregulamentação das relações de trabalho. O seu
processo foi intensificado e disseminado no âmbito da reestruturação produtiva
que marcou os anos 1990, com o objetivo de diminuir custos da produção, elevar
o padrão de qualidade com a redução do tempo e o aumento da flexibilidade dos
sistemas produtivos de bens e de serviços. Todavia, o que se viu e se vê, na
prática, na maioria dos casos, é um convite à precarização das condições de
trabalho e um acinte aos valores humanitários do trabalho. Um dos primeiros
problemas que se vê na maioria das terceirizações é a demissão dos
trabalhadores sem o pagamento das verbas rescisórias, daí porque o TST criou a
responsabilidade subsidiária.
Contrariando o discurso de quem
apoia a terceirização aprovada pelo atual governo, com a falsa promessa de
criação de mais empregos, o que se vê na prática e se preconiza para o futuro
são, por exemplo, as seguintes desvantagens para os trabalhadores
terceirizados:
1. Salários, benefícios e
condições de trabalho inferiores aos recebidos pelos empregados diretamente
contratados pela tomadora de serviços. É muito comum se ver dentro de uma
empresa dois trabalhadores trabalhando lado a lado, um contratado direto e um
terceirizado, sendo que este recebe um salário muito inferior ao daquele e não
tem os mesmos benefícios que ele;
2. Precarização das condições
de trabalho com ambientes de trabalho inseguros e inadequados, que provocam
muitos acidentes do trabalho. Quatro em cada cinco acidentes de trabalho,
incluindo os óbitos, envolvem empregados terceirizados, sendo que o total de
trabalhadores terceirizados afastados por acidentes é quase o dobro do total
registrado diretamente pelo tomador. A razão é simples: as empresas
terceirizadas não investem na segurança dos seus empregados e não estão
preocupadas com a saúde e vida deles;
3. Desorganização
sindical. A terceirização promove a pulverização dos trabalhadores, que
não são representados pelo sindicato da categoria predominante do tomador e,
com isso, desorganiza e enfraquece o movimento sindical;
4. A terceirização, como
aprovada, pode promover drástica redução e até mesmo a extinção do quadro
direto de empregados da tomadora. É só ela querer. A terceirização permite que
uma empresa possa trabalhar sem um único empregado, o que é uma excrescência no
Direito do Trabalho, que visa proteger os trabalhadores;
5. A terceirização pode
promover a desmobilização dos trabalhadores sobre reivindicações trabalhistas;
6. A terceirização pode
promover a desmobilização dos trabalhadores sobre a realização de greves e
elimina as ações sindicais, o que é de grande interesse do setor patronal, que
fica mais à vontade para explorar os trabalhadores.
Essa é a verdade nua e
crua, dura de se aceitar, mas é a verdade.
Vale lembrar o saudoso
professor Amaury Mascaro Nascimento, que sobre a celeuma da questão atividade-fim
e atividade-meio dizia: da regulamentação da terceirização deve constar
"enquadramento dos terceirizados na atividade preponderante do tomador de
serviços, com os mesmos direitos e benefícios e a responsabilidade solidária do
tomador". Com isso só se terceiriza por necessidade e não para diminuir
custos e precarizar condições de trabalho.
O que mais vem por aí com a
apressada, ilegítima, escusa e antidemocrática reforma trabalhista servirá para
concluir o real desmonte das garantias sociais trabalhistas no nosso País,
conquistadas com muito custo. Por isso, com o devido respeito a quem pensa de
forma diferente, como operador e estudioso do Direito do Trabalho e como
cidadão não posso aceitar passivamente o que está acontecendo, para amanhã não
me arrepender brutalmente.
Reforma trabalhista é
necessária e vem sendo feita ao longo dos anos, desde 1943, quando promulgada a
CLT, mas, deve ser feita de forma legítima, transparente, democrática e com
amplo debate com a sociedade, que vai se submeter aos seus efeitos. Como está
sendo feita a Reforma Trabalhista, por um governo que tem menos de 10% de
aprovação e um Congresso absolutamente desacreditado pelo povo, trata-se de uma
acinte contra os trabalhadores e o povo brasileiro. Quem a defende, que não
seja o capital empresário, talvez amanhã, tardiamente, vai se arrepender e
sentir a consciência pesada.
As instituições do nosso País,
que tem compromisso com o povo, por isso, não podem ficar omissas ao desmonte
do Direito do Trabalho que quer perpetrar o atual governo, que parece não ter
compromisso com os trabalhadores e com a sociedade. O que está acontecendo e,
sobretudo, o que vai acontecer nos próximos dias é muito grave em termos
sociais e humanitários.
--
Raimundo Simão de Melo é
consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado