Conforme
reportagem do Correio Braziliense, publicada ontem, 24, no Judiciário os
salários de parte dos magistrados ultrapassam o teto constitucional de R$
33.763. No ano passado, a Justiça brasileira custou R$ 175 bilhões, quase 270%
a mais que em 2015. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o valor é
quase todo usado no pagamento de salários.
Desembargadores do Tribunal de Justiça de São
Paulo, por exemplo, chegam a ganhar em apenas um mês quase R$ 100 mil. E mesmo
diante de um rombo nas contas públicas — estimado em R$ 185 bilhões em 2017 —,
da estagnação da economia e dos 14 milhões de desempregados, há juízes que não
estão satisfeitos.
As distorções salariais entre a Justiça Estadual
e a Federal estimulam o nivelamento. No ano passado, a Associação dos Juízes
Federais do Brasil (Ajufe) enviou um requerimento ao CNJ pedindo equiparação
das vantagens, com o intuito de uniformizar as mordomias. O CNJ, no entanto,
arquivou o processo em maio deste ano, sob o argumento de que o pleito violaria
disposições constitucionais e provocaria despesas.
O assunto é sensível. Envolve servidores
públicos de alta qualificação que dominam as leis e justificam as benesses com
elas. Os megassalários são consequência do extrateto, uma série de
penduricalhos legalmente instituídos e trancados a sete chaves. A proteção ao
sigilo fere determinações do CNJ sobre as práticas de transparência e à Lei de
Acesso à Informação, segundo pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Desde 2014, a instituição pediu dados a 40 tribunais. Apenas 25 responderam e,
desses, somente cinco explicaram objetivamente os números.
Rafael Velasco, coordenador do programa de
transparência pública da FGV, explica que a prática interfere no controle
social sobre os gastos públicos. A dificuldade em desvendar benefícios no setor
público é comum em todos os Poderes, destaca Velasco, mas é mais evidente no
Judiciário. Recentemente, um analista federal identificou que a viúva de um
desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (15ª Região), em Campinas,
recebeu quase R$ 700 mil de vantagens eventuais em dois anos (2012 e 2013). No
período, a beneficiária embolsou quase R$ 1,2 milhão.
Além de benesses pessoais
extrassalário, que variam entre R$ 5 mil e R$ 8 mil, desembargadores do TRT15
têm vantagens eventuais. Em abril deste ano, receberam valores entre R$ 18,3
mil aeR$ 52,8 mil. “Teve desembargador com o total de quase R$ 100 mil. Com os
descontos, o rendimento líquido beirou os R$ 85 mil”, aponta o analista que
prefere não se identificar.
“Na Justiça Federal, ninguém ganha mais do que o permitido e está tudo
definido: salário, gratificação, benefício. Não há qualquer dificuldade em
encontrar esses dados”, garante o presidente da Ajufe, Roberto Veloso. Ele
reconhece, no entanto, que há discrepâncias nos vencimentos de juízes estaduais
de São Paulo. “Apresentamos o requerimento para informar que não estamos
recebendo, enquanto os juízes do tribunal de São Paulo estão. Que todos
recebam, ou ninguém”, afirma.
A vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Julianne
Marques, explica que os salários respeitam o teto constitucional. “Existem
verbas indenizatórias, diárias de viagens, auxílio-moradia.” A magistrada
ressalta que a classe é a única que não teve reajuste salarial. “Do ano passado
para cá, não tivemos aumentos. O que temos são subsídios previstos em lei. E o
resto é indenização”, afirma.
Legislação
No Legislativo — que custa R$ 1,16 milhão por hora aos cofres públicos, segundo
dados da ONG Contas Abertas —, tramitam diversos projetos para conter os benefícios
extrateto, mas não andam. O deputado Rubens Bueno (PPS-PR) defende que a Câmara
vote com urgência o PL 6726/16, aprovado pelo Senado em dezembro de 2016. A
proposta está parada na Comissão de Trabalho à espera de um relator. “É preciso
que a Casa enfrente essa questão que afronta a sociedade. Não dá mais para
ficar postergando a votação de uma matéria que vai acabar com essa aberração”,
diz Bueno.
Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas, explica que é difícil
identificar na lei o conceito de “extrateto”. “Basta uma palavra na lei com um
significado dúbio para que tudo vá por água abaixo e uma imoralidade poderá se
tornar legal.”
A prática de esconder informações importantes da população é o reflexo da
cultura patrimonialista e autoritária dentro do funcionalismo, afirma o
economista José Matias-Pereira, da Universidade de Brasília (UnB). “O servidor
chega a se ofender quando se exige transparência ou produtividade”, ironiza. A
questão do penduricalho é ainda mais grave para ele. Vários itens foram dados
como incentivos provisórios e viraram permanentes, por exemplo, o
auxílio-moradia (R$ 4,3 mil), que o magistrado recebe mesmo quando mora no
local onde trabalha. “As discrepâncias são evidentes. Os megassalários do
Judiciário afetam a imagem da instituição”, destaca.
Eficiência
Segundo levantamento do CNJ, com números de 2015, o Judiciário demora, em
média, quatro anos e quatro meses para proferir uma sentença de um processo em
1ª instância. A mais demorada é a Justiça Federal, com média de cinco anos e
quatro meses. Já os tribunais superiores levam cerca de nove meses. Castello
Branco destaca que um dos principais problemas da morosidade é o trâmite
processual, que possibilita muitos recursos. “O processo não se encerra e fica
eternamente lotando os escaninhos. Mudar isso deveria ser uma preocupação,
porque os processos geram cada vez mais custos”, diz. Segundo o especialista,
com o grande volume de ações, férias de até 60 dias para juízes “é uma
aberração”.
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Com informações do Correio
Braziliense