Antônio Augusto de Queiroz*
A ideia de suspender o reajuste salarial dos servidores
públicos, assegurado em lei e em plena vigência, é o fim da picada para um
governo que se apresenta como defensor da segurança jurídica, do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito.
“Pau que bate em Chico também bate em Francisco”. Ou seja,
se o governo não cumpre a lei e os acordos com os assalariados, qual é a
garantia de que também cumprirá com o mercado? A não ser que a garantia da lei
e dos contratos só valham para o mercado, a serviço de quem se encontra o
governo Michel Temer.
Desde que foi efetivado, o governo Michel Temer não fez
outra coisa senão cumprir a promessa de colocar os poderes e o orçamento do
Estado a serviço do mercado, especialmente o financeiro, como pagamento pelo
apoio deste ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A promessa de favorecer o capital em detrimento do
trabalho foi documentada na agenda “Ponte para o Futuro”, cuja essência
representa: 1) a destruição do Aparelho de Estado, 2) o desmonte do Estado de
Bem-Estar Social, 3) a entrega do patrimônio público (as estatais brasileiras)
ao setor privado, 4) a retirada de direitos dos trabalhadores, dos servidores e
dos aposentados e pensionistas.
Estão em linha com isso, a eliminação do conteúdo local, a
redução da presença da Petrobras na exploração do Pré-Sal, a venda de ativos, a
mudança nas regras de governança das estatais e dos fundos de pensão, o
congelamento do gasto público em termos reais, as renúncias e anistias fiscais,
o aumento dos combustíveis, as reformas trabalhista e previdenciária, a adoção
de programa de demissão incentivada, o congelamento salarial e retirada de
direito dos servidores públicos.
Mesmo quando adotou medidas contrárias a essa agenda, como
a medida provisória da “reoneração” previdenciária, o fez de forma tímida e sem
nenhum empenho, e deixou o texto caducar sem ser apreciado pelo Congresso.
O objetivo final de tudo isto é, de um lado, reduzir a
despesa do Estado com bens, serviços e políticas públicas em favor dos que
vivem do salário e do provento de aposentadoria para honrar compromisso com os
credores de títulos da dívida pública, e, de outro, transferir do Estado para a
iniciativa privada a prestação de serviços à população e retirar a proteção do
Estado nas relações entre patrões e empregados.
A economia estimada com a suspensão do reajuste dos
servidores ao longo de 2018, por exemplo, será insuficiente para compensar a
liberação de emendas e a anistia aos ruralistas, ambos como parte do pagamento
pelo voto contra a abertura de processo contra o presidente da República por
corrupção passiva. Nem tampouco para pagar os juros da dívida pública de um
mês.
A eventual suspensão da vigência da lei que garante
reajuste para o servidor, uma prestação de natureza alimentar, será a maior
agressão já feita a esse segmento de trabalhadores, que teve parcela expressiva
de seus integrantes engajados no processo de impeachment que levou
à efetivação do governo Temer. Nem os militares nem o governo Collor, que se
elegeu para combater os “marajás” do serviço público chegaram a tanto.
É muito provável que uma iniciativa com essas características não passe no Congresso, mas se for aprovada, a tendência é que o Supremo Tribunal Federal a declare inconstitucional, sob pena de completo desrespeito às normas de ordem pública. É exatamente o mesmo caso apreciado pelo STF na ADI 4013, em março de 2016, que considerou ser direito adquirido do servidor o reajuste previsto em lei já em vigor, mas com efeitos financeiros a partir de exercício seguinte.
Além de grave ofensa ao Estado de Direito, a aceitação da suspensão da vigência
de uma lei, que beneficia trabalhadores, para favorecer o sistema financeiro,
seria a completa captura do Estado pelo capital financeiro. A sociedade, em
geral, e os servidores públicos, em particular, não podem concordar com isso,
nem mesmo aqueles que apoiaram o processo de impeachment da
ex-presidente Dilma e criaram as condições para a efetivação de Michel Temer na
Presidência da República. Se não houver resistência, o governo estará livre
para concluir sua obra de desmonte do Estado e da destruição da soberania
nacional.