Não são apenas os segurados da Previdência Social que
têm aumentado o endividamento em operações de crédito consignado. Servidores da
União, de estados e de municípios já devem R$ 180,2 bilhões aos bancos nessa
modalidade, de acordo com dados do Banco Central (BC). Entre janeiro e maio,
esse grupo tomou R$ 4 bilhões em empréstimos. Em média, os funcionários da
administração pública contratam, diariamente, R$ 26,8 milhões em financiamentos
com desconto em folha.
Os servidores devem quase 10 vezes mais do que os
trabalhadores do setor privado, que têm uma saldo de R$ 19 bilhões de
empréstimos consignados com instituições financeiras. Nos cinco primeiros meses
do ano, assalariados com carteira assinada tomaram R$ 602 milhões em operações
desse tipo, uma média diária de R$ 3,9 milhões, ou quase sete vezes menos que o
contratado por funcionários públicos. O valor das operações revela ainda outra
diferença entre as duas categorias. Os 11,4 milhões de trabalhadores da
administração pública devem, em média, R$ 15,7 mil cada um. Por sua vez, os
32,7 milhões de assalariados do setor privado têm, individualmente, uma dívida
média de R$ 580 com o consignado. Os governos petistas de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff foram os que mais incentivaram a contratação de
empréstimos consignados e contribuíram para um crescimento significativo do
estoque dessa linha de crédito.
Facilidades
Em setembro de 2015, o Congresso autorizou servidores,
beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e trabalhadores do
setor privado a comprometer até 35% da remuneração com empréstimos com desconto
em folha - antes, o limite era de 30%. O texto definiu que a faixa adicional
deve ser usada, exclusivamente, para o pagamento das despesas com cartão de
crédito, de modo a reduzir o comprometimento com essa linha, mais cara. Um ano
antes, em setembro de 2014, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS)
havia elevado de 60 para 72 meses o prazo de pagamentos desses financiamentos.
E o Ministério do Planejamento, aumentado de 60 para 96 meses o período máximo
para quitação dessas operações.
No caso dos trabalhadores da iniciativa privada, esse
prazo é negociado com os bancos e depende do valor do financiamento. Em 2017,
uma das medidas estudadas pelo governo para tentar alavancar a economia era
aumentar, novamente, o prazo para pagamento de empréstimos consignados. O líder
do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), declarou, na época, que o
Executivo elevaria para até 130 parcelas o prazo concedido a servidores
federais para quitar as operações. Na avaliação do senador, o alongamento do
prazo das dívidas diminuiria o valor das prestações e abriria espaço para as
famílias consumirem. Após fortes críticas, a proposta foi abortada.
Renda maior
Os servidores públicos são favorecidos por juros mais
baixos na hora de contratar um crédito consignado. A taxa média mensal chega a
1,8% e, ao ano, a 23,6%. Para trabalhadores do setor privado, o custo do
financiamento é maior e chega a 2,8% mensais. No ano, os juros cobrados dos assalariados
com carteira assinada alcançam 40,1%. A diferença nas taxas pode ser explicada
pelo nível de inadimplência. Entre os servidores públicos, o percentual de
dívidas atrasadas em mais de 90 dias chegou a 2,4% em maio. No caso dos
trabalhadores do setor privado, essa parcela é de 4,1%.
O economista-chefe da Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, destacou que há uma
peculiaridade no caso dos servidores. "No setor público, a renda dos
trabalhadores é maior. Isso pode estar por trás do endividamento. Com salários
maiores, podem comprometer uma maior parte com consignados. Já o setor privado
sofre com uma média salarial menor", avaliou. O economista ainda destacou
que, em períodos de menor crescimento econômico ou de recessão, há maior
rotatividade e mais desemprego, o que diminui o apetite dos bancos em emprestar
para trabalhadores do setor privado, mesmo que com desconto em folha.
Bola de neve
Na avaliação do economista Carlos Eduardo de Freitas,
ex-diretor do BC, tanto servidores públicos quanto trabalhadores da iniciativa
privada precisam tomar cuidado ao contratar os financiamentos.
Segundo ele, mesmo que essas operações tenham taxas
mais baixas, os brasileiros têm forte disposição ao consumo, o que pode transformar
as dívidas em verdadeiras bolas de neve. "É preciso que o tomador faça
contas e economize para não cair em armadilhas", aconselhou.
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CB com edição do Sinjufego